Neste tempo de preparação para o Natal, o tema da liturgia é a vinda de Nosso Senhor. Por isso o Advento é um tempo de penitência, para que limpemos a casa e aplainemos o caminho para Cristo. Sem isso, o nosso coração dificilmente estará pronto para recebê-lo e, com Ele, buscar a salvação.
Como vem o Senhor ainda hoje às nossas vidas? A primeira parte do Advento se concentra na vinda de Cristo no fim dos tempos para o juízo universal. Esse é um assunto do catecismo de que pouco se fala, já que está na moda pensar em Deus mais como irmão e companheiro, ou até como colega de escola, cúmplice de nossos erros... De fato, Deus se fez nosso amigo pela graça que nos concedeu, e se fez nosso irmão por ter assumido a nossa humanidade. Mas nada disso implica que Ele não seja também nosso supremo juiz.
Enquanto estamos neste mundo, vivemos o tempo da misericórdia, que se encerrará quando Cristo vier em sua glória para julgar os vivos e os mortos, inaugurando assim o tempo da justiça. Há quem veja nisso uma contradição com a boa-nova do Evangelho. Afinal, como conceber hoje, depois da revelação cristã, um Deus “justiceiro”? A solução simplória é: se Ele é amor e misericórdia, não irá pedir conta das nossas más ações, mas tratará a todos com suma “tolerância”.
Esse raciocínio supõe falsamente que justiça e misericórdia são atributos contrários. A verdade, no entanto, é que a justiça se contrapõe não à misericórdia, mas à injustiça. Dizer que Deus, por ser misericordioso, não fará justiça, seria dizer que Deus, por ser bom, fará algo mau, o que é absurdo, e até blasfemo.
Por outro lado, o contrário da misericórdia não é a justiça, mas a inclemência, a crueldade; numa palavra, a falta de amor. Ora, Deus não é cruel nem inclemente, mas misericordioso, e manifesta seu amor de várias formas. Neste mundo, manifesta-o por sua paciência, dando-nos tempo para retornar ao caminho da vida antes de nos precipitarmos sem volta no abismo da morte eterna. O Advento é tempo de conversão, portanto é tempo de graça. Essas quatro semanas do Advento simbolizam, no fundo, o tempo que Deus nos dá ao longo da vida para deixarmos muito bem preparado o nosso juízo particular.
Mas, assim como há tempo de misericórdia e tempo de juízo para cada homem, há também para a humanidade como um todo. Olhemos para a história. Quantas vezes os maus já foram glorificados? Tomemos, por exemplo, filósofos que sustentaram doutrinas errôneas, responsáveis pela perdição de muitos, e que, no entanto, são tidos e havidos por grandes pensadores, para não dizer “gênios”. Quantas vidas, por exemplo, foram destruídas pelas ideias de um Freud, que “aboliu” a moral sexual? Quantos perderam de vista o caminho do amor e da fidelidade? Ou então um Kant, paladino do Iluminismo, que é um dos pais do ceticismo moderno. A partir dele, a humanidade veio de abismo em abismo. De Kant passamos a Hegel, de Hegel a Marx, de Marx à desordem mental hoje reinante. Todos foram tidos por “gênios da humanidade”.
Para reparar isso, Cristo virá fazer justiça. Grande será a vergonha dos que foram injustamente glorificados, aclamados como benfeitores do homem, quando, na verdade, levaram muitos para o inferno por suas ideias e erros. Não é justo, afinal, que eles sejam publicamente envergonhados? Não é justo que se apresente a falsidade de suas doutrinas? Talvez alguns deles, pelo milagre de uma contrição perfeita na hora da morte, tenham sido salvos. Quem sabe? Não queremos tomar o lugar de Deus julgando as almas; mas podemos julgar doutrinas, e se estas foram glorificadas pelo mundo, mesmo levando muitas pessoas à perdição, é justo que, no fim dos tempos, esses erros sejam expostos à vergonha pública.
Por outro lado, doutores como Santo Tomás de Aquino, Santo Afonso de Ligório, São João da Cruz, Santa Teresa d’Ávila, Santa Teresinha do Menino Jesus e tantos outros santos e sábios que, pela graça de Deus, levaram milhões para o Céu, são hoje desprezados e ridicularizados pelo mundo. No entanto, eles serão exaltados no Juízo Final. Toda obra divina desprezada pelos homens brilhará no último dia.
Então nós veremos santos escondidos, que passaram a vida fazendo o bem e contribuíram para o triunfo da Igreja sem serem notados. Santos anônimos, enclausurados em mosteiros, heróis de que nunca tivemos notícia. É justo que, tendo vivido para Deus, mortos para o mundo, eles sejam exaltados por Deus no juízo aos olhos do mundo que os ignorou. Se foram injustiçados e publicamente esquecidos, é justo que Deus os exalte e os torne conhecidos.
Todos deveríamos meditar sobre o Juízo Final, mas não há hoje assunto mais ausente dos nossos púlpitos... Não à toa, o Catecismo Romano aconselha aqueles que cuidam das almas a pregar sobre o Juízo Final, porque todos os jus- tos, a certa altura da vida, se sentem “em crise” por verem a maldade e a vileza exaltadas, enquanto a justiça e a bondade são tratadas com desprezo.
Quem não se revolta vendo a exaltação da maldade, o triunfo dos maus e a ridicularização do que é santo? Quem não sente às vezes uma pontada de desânimo? Por isso é necessário pregar a verdade: Deus virá, sim, julgar os vivos e os mortos, e o seu reino não terá fim. Todo aquele que houver, por amor a Ele, derramado lágrimas de fidelidade, ainda que ocultas, será publicamente exaltado perante a humanidade. Então se cantará a glória do Cordeiro imaculado. Uma multidão incontável entoará o grande Aleluia, a vitória e o triunfo final — triunfo do bem, triunfo da bondade, triunfo da verdade, triunfo da misericórdia!
Quantos misericordiosos não alcançaram misericórdia neste mundo, mas hão de alcançá-la no Juízo Final! “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque serão saciados” (Mt 5, 6). E quando essa sede e essa fome serão saciadas? Quando virmos, enfim, a vitória de Deus. Eis a realidade que queremos meditar neste Advento, que nos remete à segunda vinda de Cristo.
Ora, falar da segunda vinda é falar do Juízo Final. E como será o fim dos tempos? Haverá primeiro uma grande tribulação na Igreja, que será terrivelmente perseguida. Haverá ainda um abalo cósmico, e então virá Nosso Senhor. Disto nos recorda o Evangelho: “Naquele tempo, haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas” (Lc 21, 25). Em sentido alegórico, o sol é Jesus, que irá perder o brilho; a lua é a Igreja, que se tingirá de sangue por causa das perseguições; as estrelas cadentes são um sinal da grande apostasia. Em sentido literal, haverá de fato um abalo cósmico. No fim, sucederão as duas coisas, a grande tribulação e, em seguida, o fim deste mundo como o conhecemos: “Os homens vão desmaiar de medo só em pensar no que vai acontecer ao mundo” (Lc 21, 26).
E quem irá desmaiar de medo senão os que puseram a esperança no mundo? Como se manteriam de pé aqueles que, tendo depositado todas as suas fichas no mundo, o vissem ruir diante dos próprios olhos? Mas, aos que esperam em Jesus Cristo, o que há de acontecer? “Ele virá sobre as nuvens e, quando essas coisas começarem a acontecer, levantai-vos e erguei a cabeça, porque a vossa libertação está próxima” (Lc 21, 28).
Não poderia haver maior contraste nem maior antagonismo do que entre o medo dos que põem a esperança no mundo e a consolação dos que a puseram em Jesus. Todas as cabeças verão erguidas a libertação dos que esperaram em Cristo. Então se dará a vinda de Jesus, que se sentará para julgar. Haverá o juízo, e os homens de todos os tempos comparecerão ao tribunal de Deus.
Os homens julgam a história de maneira linear, como uma sequência horizontal de acontecimentos. Mas o julgamento final da história será diferente; não será horizontal ou linear, mas vertical. Cada pequeno ponto da história será julgado em sua relação com a eternidade e com o Céu. Tudo será levado em conta e lido à luz dessa realidade superior e eterna. Cristo virá julgar os vivos e os mortos — a história inteira —, e não só os que ainda estiverem vivos quando Ele voltar.
Ninguém sabe quando isso acontecerá. Deus reservou para si esse conhe- cimento. O fato é que já há dois mil anos a Igreja espera ansiosa esse dia. Ele virá daqui dois mil anos? Daqui dois mil segundos? Ninguém sabe. O certo é que o juízo virá mais dia, menos dia. E em que isso influencia a nossa vivência do Advento? Influencia muito, sobretudo se considerarmos que todos os momentos da vida serão julgados sob a luz da eternidade, sub specie aeternitatis.
Todos os momentos: seja a saúde ou a doença, a pobreza ou a riqueza. Compreendendo essa realidade, as coisas adquirem novo sabor. Eis aí o critério para viver o Advento, que é este tempo de “ensaio” tanto para o juízo particular, com a morte de cada um, quanto para o juízo universal, com a vinda gloriosa de Cristo. Para o primeiro, o que podemos fazer? Há na Igreja o piedoso costume, recomendado por santos e autores espirituais, de examinar, à noite, a própria consciência, como se cada dia fosse o último. Afinal, ninguém sabe se terá um amanhã para se emendar. Por isso, façamos o nosso “juízo final” todos os dias, para que o particular não nos tome de assalto.
Além disso, quando andarmos na rua, virmos o noticiário ou estudarmos as páginas da história, pensemos no juízo universal, pondo tudo sob a luz da eternidade, debaixo do olhar do Senhor. Os que hoje saem vitoriosos serão os derrotados, e os que hoje são derrotados sairão vitoriosos; os que hoje sorriem poderão estar chorando, envergonhados em sua confusão, enquanto os que agora permanecem firmes no amor a Cristo irão colher os frutos da recompensa que Deus lhes reservou.
Vêm também em nosso socorro os três versículos finais do Evangelho de hoje. Diz o Senhor: “Tomai cuidado para que vossos corações não fiquem in- sensíveis por causa da gula, da embriaguez e das preocupações da vida” (Lc 21, 34).1 Com efeito, os pecados, sobretudo os de uma vida sensual, nos levam a quê? A perder a cabeça e a visão clara das coisas, como se nossa alma estives- se com o olhar embaçado, incapaz de julgar retamente. Embriagados com o mundo e as “preocupações da vida” (em grego, μέριμνα (merimna), de onde se origina a palavra “merídio”, isto é, “o que separa”), tornamo-nos homens dividi- dos, um campo de batalha em que vence ora o dinheiro ou a fama, ora o poder, ora o sexo...
O dia do Senhor, porém, nos há de encontrar desprevenidos e cairá qual armadilha “sobre os habitantes de toda a terra. Portanto, ficai atentos e orai a todo momento, a fim de terdes força para escapar de tudo o que deve acontecer e para ficardes em pé diante do Filho do Homem” (Lc 21, 36). “Orai, ficai atentos”. Nada é mais necessário do que a vigilância, aquele olhar que tudo vê à luz da eternidade, desde os nossos próprios atos, que serão esquadrinhados no juízo particular, até os acontecimentos da história, dos quais dará conta o Juízo Final.
Peçamos a Deus a graça de não perdermos o foco. Oremos a todo mo- mento, se quisermos estar de pé diante do Filho do Homem, quando Ele se sentar para proferir a sentença. Se perseverarmos até o juízo, com que mise- ricórdia e amor Ele nos dirá: “Vinde, benditos de meu Pai, vinde para o reino preparado para vós, que fostes desprezados e injustiçados! Vinde, benditos, vinde todos para o reino!” Será grande a nossa alegria quando tudo o que foi vitória aparente for lançado ao fogo eterno, e tudo o que foi desprezado neste mundo for elevado à glória do Céu.