Sobre a Santa Missa

   

ARQUIDIOCESE DE SALVADOR
CÚRIA METROPOLITANA

Prot. 110/2025

SOBRE A SANTA MISSA

Celebrar a Eucaristia exige de nós um compromisso profundo com a beleza, o silêncio e a reverência, elementos que conduzem o coração da fidelidade ao mistério vivo de Cristo. Em muitas comunidades, porém, a pressa tem feito de conta dos altares: gestos abreviados, leituras atropeladas e homilias desconexas transmitem a quem participa a sensação de que a Missa não passa de mais um compromisso na rotina dominical. É necessário resgatar urgentemente o real espírito das celebrações, como uma pausa restaurada na caminhada rumo ao Céu, um oásis espiritual onde cada gesto litúrgico — da saudação inicial até a vitória final — merece ser vivido com atenção plena, e não uma maratona em que insiste-se em “vencer” pelo menor tempo consumido.

Para que a Missa seja esse espaço sagrado de encontro com o Senhor, é fundamental que o celebrante e todos os ministros desapeguem da ideia de “cumprir um rito” o mais rápido possível. Quando o presidente da celebração apressa os momentos de oração, as aclamações e até a consagração, os demais percebem que o encontro com Deus foi relegado para segundo plano. No entanto, cada pausa, cada definição de cabeça e cada silêncio têm um significado rico: mostrar que, no centro de nossa fé, está o Mistério Pascal, e que aquele momento de recolhimento importa mais do que a hora de início ou de término. Ver a Missa como pausa restaurada é considerar que, em meio ao tumulto cotidiano, Deus nos oferece um refúgio, um espaço onde nossas aflições podem ser apresentadas e convertidas em louvor.

O celebrante, portanto, deve criar essa atmosfera de recolhimento e sobriedade. Isso não significa voltar a celebrar lentamente a ponto de arrastá-la, mas estruturá-la de modo que cada parte — o rito penitencial, as leituras, a homilia, a Oração Eucarística — receba o tempo necessário para que todos se sintam imersos no mistério que ali se manifesta. As partes do rito da Santa Missa não são etapas a arriscar de um checklist, mas são momentos teologicamente articulados que nos aproximam do Mistério da Cruz e da Ressurreição. Desligar-se do mundo ao redor, não interromper o canto com mensagens externas e respeitar a sequência ritual são práticas simples que ajudam os presentes na celebração a experimentar a presença real de Cristo no pão e no vinho consagrados.

Na proclamação do Evangelho e na homilia, o cuidado deve ser ainda maior, pois essas são as instâncias em que a Palavra de Deus deve encontrar um eco vivo nas situações atuais de nossa comunidade. O texto sagrado não pode ser tratado como algo distante ou meramente decorativo; antes de ir ao ambão, o celebrante precisa mergulhar na realidade em que está inserido: conhecer as dores cotidianas, as lutas cotidianas, as batalhas concretas diárias. Quais são as angústias que habitam no nosso coração? Só assim a pregação deixa de ser um discurso genérico e se torna uma conversa íntima, quase coloquial, em que cada exemplo ganha sentido na leitura antiga e ao mesmo tempo atual da vida do Senhor.

É preciso, ao mesmo tempo, manter a fidelidade ao esquema litúrgico e evitar improvisações descabidas. Improvisar, muitas vezes, significa banalizar o rito, complementando a riqueza da tradição por generalidades que não alimentam a fé nem orientam práticas concretas de vida cristã. A homilia eficaz não é uma palestra motivacional, tampouco um tratado teológico inacessível: ela deve articular exposição do texto, aplicação à realidade diária e indicação de atitudes a adotar. Quando isso acontece, os presentes na celebração saem com a alma inflamada para perdoar, reconciliar-se em família, acolher o próximo ou cantarolar o salmo em sua rotina dos dia a dia. Para atingir esse resultado, o celebrante não pode confiar apenas em sua espontaneidade de última hora — deve preparar-se com antecedência, lendo e relendo as leituras do dia, as orações eucarísticas, as preces da verdade e até o prefácio que será proclamado. Cada palavra do Missal Romano, cada gesto no altar, tem raízes profundas na Tradição e foi pensada para suscitar em nós um senso de maravilha e gratidão.

Os compromissos em celebrar bem devem se estender a todos os ministérios inclusive nos cânticos para que sejam harmoniosos com aquilo que se celebração e como se celebração, pois o cântico não é para encantar apenas, mas levar os presentes na celebração para um encontro íntimo com o Senhor de modo que se desprendam de si e se abram para as maravilhas do Senhor. Revisar as músicas a serem usadas — ainda que brevemente — ajudam a coordenar entradas, respostas e momentos de oração, evitando hesitações desnecessárias. Quando cada ministro presente na celebração exerce seu serviço com segurança, o celebrante se sente livre para conduzir a Missa sem atropelos, e todos são convidados a participar ativa e confiantemente, sem distrações.

A postura do celebrante, por sua vez, deve revelar fé e proximidade. Olhar nos olhos dos fiéis, acolher um aperto de mão ou um sorriso antes da celebração faz toda a diferença: mostra que o consagrado do Senhor não está ali apenas para “apresentar formalidades”, mas para viver aquele momento junto com cada pessoa presente. Durante a Oração Eucarística, falar pausadamente, deixando-se interiorizar a cada invocação, e manter o silêncio consciente em momentos-chave — como antes da leitura do Evangelho ou durante a elevação da hóstia e do cálice — são gestos que edificam a todos. Silêncio, afinal, é uma linguagem que toca a alma de modo tão profundo quanto a música mais sublime.

A estética litúrgica também colabora para dar à Missa seu verdadeiro clima de festa sagrada. Uma paramentação bem cuidada, arranjos florais consistentes com o tempo litúrgico e uma iluminação que realça o altar e os ícones criam um ambiente que favorece a transcendência. Evitar enfeites improvisados​​ as pressas ou núcleos confortáveis​​ ajuda a alma a elevar-se e a experimentar a beleza de Deus. Esse senso de beleza, aliás, não é luxo ou gasto desnecessário, mas reflete a verdade de que, na Santa Missa, a verdade e a segurança se fazem também pela estética, testemunhando que Deus é fonte inesgotável de harmonia.

Vivemos em uma cultura acelerada, movida pela lógica do “tempo é dinheiro”, e é justamente por isso que a Igreja nos oferece a Missa como pausa restaurada. Quanto mais apressado nosso cotidiano, mais desesperadamente precisamos desse instante de recolhimento, dessa oportunidade de desacelerar para ouvir a voz de Deus. Manter vivo o valor do rito em meio a essas pressões exigem formação contínua, se deve investir em cursos de liturgia, encontros de assessoria com especialistas e workshops práticos para todos e não apenas para um grupo seleto. Sem esse cuidado, corre-se o risco de perdermos gradualmente a densidade espiritual e ritual que torna a Missa fonte de graça e ponte de encontro entre o Céu e a terra.

Por fim, celebrar a Missa com ritmo sereno e atenção ao rito é muito mais do que uma questão de técnica: é sinal de nosso amor por Deus e de nosso cuidado com todos os presentes na celebração. Quando cada gesto, cada palavra e cada silêncio reverberam com riqueza teológica e pastoral, a celebração torna-se profecia de um mundo restaurado, escola de santidade e testemunho eloquente de que caminhar rumo ao céu é possível, aqui e agora, nos bancos acolhedores de nossas paróquias. Que vós sacerdotes, diáconos e seminaristas redescubram, a cada domingo, a arte de celebrar bem, dando à assembleia não apenas uma noite, mas uma verdadeira experiência transformadora, que fortalece a fé, suscita a esperança e inflama o coração para o serviço amoroso ao próximo.

Salvador, memória de Santo Antônio, 13 de junho de 2025

Em Cristo Sacerdote e Maria Serva do Senhor,

MONS. LUCAS HENRIQUE LORSCHEIDER
Chanceler Arquidiocesano

Em nome da Pastoral de Liturgia Arquidiocesana

Post a Comment

Postagem Anterior Próxima Postagem