Orientação Litúrgica | Sobre o azul na liturgia

    

ARQUIDIOCESE DE SALVADOR
CÚRIA METROPOLITANA

Prot. 115/2025

SOBRE O AZUL NA LITURGIA

Queridos irmãos e irmãs em Cristo,

Fizemos esse texto afim de explicar de forma mais compreensível sobre o texto divulgado pelo Dicastério para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos acerca da utilização da cor azul na liturgia.

A cor azul na liturgia da Igreja Católica sempre despertou certa curiosidade entre os fiéis, sobretudo por não estar listada entre as cores oficialmente previstas pela Instrução Geral do Missal Romano. No entanto, seu uso não é proibido nem contrário à tradição da Igreja. Pelo contrário, trata-se de uma concessão legítima, que tem fundamentos históricos, jurídicos e pastorais claros, e cuja aplicação é válida em diversos contextos onde há autorização expressa ou tradição consolidada.

O azul não faz parte da lista das seis cores litúrgicas estabelecidas pela Santa Sé para uso universal: branco, vermelho, verde, roxo, preto e rosa. Essas cores têm significados teológicos específicos e são usadas conforme o tempo litúrgico ou a celebração correspondente. Por exemplo, o branco é sinal de pureza e alegria, utilizado em festas do Senhor, da Virgem Maria, dos anjos e de santos não mártires. O vermelho é sinal de sangue e fogo, usado em celebrações do Espírito Santo e de mártires. O verde representa a esperança e é usado no tempo comum. O roxo é penitencial, usado no Advento e na Quaresma. O preto, cada vez menos usado, é reservado para missas pelos mortos, e o rosa pode ser usado em dois domingos específicos do ano litúrgico como sinal de alegria no meio da penitência. Já o azul, embora não conste nessa lista, é uma cor amplamente reconhecida na piedade popular como símbolo de Maria Santíssima, sendo associado ao céu, à pureza e à realeza da Mãe de Deus.

O uso do azul nos paramentos litúrgicos, embora não universal, foi oficialmente permitido pela Santa Sé em casos específicos. Em 1864, o Papa Pio IX concedeu um privilégio pontifício à Espanha, permitindo que, na Solenidade da Imaculada Conceição (8 de dezembro), fossem utilizados paramentos de cor azul em honra especial à Virgem Maria. Esse privilégio não foi concedido a toda a Igreja, mas a um país específico, reconhecendo sua profunda devoção mariana e sua defesa histórica da doutrina da Imaculada Conceição antes mesmo de sua definição dogmática. Com o tempo, esse privilégio foi estendido a outras regiões que estavam sob influência da tradição litúrgica espanhola, bem como a algumas dioceses e santuários marianos de outros continentes, comunidades religiosas marianas e lugares em que essa prática já se consolida como tradição local.

Essa concessão, embora particular, tem base jurídica sólida no direito litúrgico e no direito canônico. A própria Instrução Geral do Missal Romano admite que, em algumas regiões e celebrações, pode haver variações nas cores litúrgicas, desde que autorizadas pela Santa Sé ou oriundas de costume legítimo. O Código de Direito Canônico também reconhece o valor do costume, ou seja, de práticas repetidas ao longo do tempo com o consentimento tácito ou explícito da autoridade competente. Quando uma prática como o uso do azul em festas marianas se estabelece por muitos anos e é acolhida pela autoridade eclesiástica local ou pela Santa Sé, ela adquire força de lei. Portanto, em locais onde existe esse costume consolidado ou autorização específica, o uso do azul em festas marianas é plenamente legítimo.

Além da legitimidade jurídica, há também uma motivação teológica e pastoral para o uso do azul. O simbolismo da cor remete diretamente à figura da Virgem Maria. O azul é frequentemente associado ao céu, à imensidão, à fidelidade e à realeza — atributos que tradicionalmente são aplicados à Mãe de Deus. Desde a Idade Média, Maria é representada artisticamente com vestes azuis, e isso influenciou profundamente a devoção popular e a iconografia cristã. Levar essa simbologia ao âmbito litúrgico, sobretudo em festas específicas como a Imaculada Conceição, é um meio de reforçar visualmente a espiritualidade mariana e de favorecer a piedade dos fiéis.

Importante frisar que, mesmo com todo esse respaldo, o uso do azul não é algo que possa ser adotado arbitrariamente por qualquer comunidade. Não é correto que um sacerdote ou uma paróquia, por conta própria, decida usar paramentos azuis em festas marianas sem que exista uma tradição aprovada ou uma autorização expressa da autoridade competente. O azul, embora permitido em contextos específicos, continua sendo uma exceção à norma geral. Sua utilização deve respeitar os critérios estabelecidos pela Igreja, sempre em comunhão com o bispo local ou com as orientações da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, hoje denominada Dicastério para o Culto Divino.

Há casos concretos em que o azul é usado de forma legítima. Santuários marianos importantes, como os da Espanha, das Filipinas, de países latino-americanos e de algumas regiões da Áustria e da Baviera, fazem uso da cor azul nas celebrações marianas, especialmente na Imaculada Conceição. Há também comunidades religiosas que receberam autorização própria para utilizar essa cor em festas de Nossa Senhora. No Brasil, por causa da herança ibérica e da intensa devoção à Virgem Maria, especialmente sob o título de Nossa Senhora Aparecida, o azul se tornou presente em muitas celebrações. Embora tecnicamente a cor oficial para essas festas seja o branco, não é incomum encontrar o uso do azul como expressão de devoção, no entanto o celebrante não deve fazer uso dos paramentos totalmente dessa cor, uma vez que o Brasil não possui a concessão emitida pela Santa Sé para tal. Ao invés disso o sacerdote pode e deve utilizar a veste branca, com detalhes em azul. Essa regra não vale apenas para os sacerdotes diocesanos, mas para todos os que pertencem a comunidades das quais não se possua a autorização pontifícia para tal uso.

De forma bastante clara, o uso do azul na liturgia não se configura como um abuso, quando é feito nos moldes estabelecidos pela Igreja. Também não se trata de uma invenção moderna ou uma concessão liberal da atualidade, mas de uma prática histórica com respaldo pontifício, que foi se disseminando em função da piedade popular mariana e do desejo da Igreja de respeitar certas tradições devocionais que enriquecem a vida litúrgica. O azul não substitui nenhuma cor litúrgica nos tempos comuns ou nas solenidades do Senhor, mas se insere em um contexto devocional específico. Quando usado com reverência, sob autorização legítima, contribui para a beleza das celebrações e para a maior piedade dos fiéis.

Por fim, é essencial compreender que a liturgia não é um campo de invenções pessoais, mas um dom da Igreja. Tudo o que se faz na liturgia precisa estar em conformidade com o que a Igreja permite, para que a unidade da fé seja preservada e os sinais litúrgicos comuniquem com clareza o mistério de Cristo. O uso da cor azul nas festas marianas é um desses casos em que a Igreja, com sabedoria e prudência pastoral, reconhece a riqueza da tradição local e a beleza da expressão devocional do povo cristão. Desde que usado nos contextos corretos e com a devida autorização, o azul é não apenas válido, mas também profundamente simbólico e edificante. Ele aponta para Maria como sinal da esperança que não decepciona, como a aurora da salvação e como Rainha do Céu, cuja presença materna continua iluminando a vida da Igreja em seu caminho rumo ao Reino eterno.

Salvador, Solenidade de São João Batista, precursor de Nosso Senhor Jesus Cristo, 24 de junho de 2025

Em Cristo Sacerdote e Maria Serva do Senhor,

MONS. LUCAS HENRIQUE LORSCHEIDER
Chanceler Arquidiocesano

Em nome da Pastoral de Liturgia Arquidiocesana

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